A importância do tempo

Dom Hélio Pereira dos Santos

Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Salvador

 

Não sabemos exprimir com exatidão o que de fato é o tempo, visto que até para estudiosos do assunto há controvérsias. Isaac Newton definiu o tempo como absoluto, verdadeiro e matemático, que se passa sem nenhuma relação com um objeto exterior. Já Albert Einstein viu no tempo uma ilusão mantida persistentemente e que não se passa de forma absoluta, mas relativamente à velocidade.

Estamos acostumados à realidade cronológica e por toda parte encontramos relógios a fim de que possamos fazer a leitura do tempo. Temos nas Sagradas Escrituras a notícia de que o próprio Deus, Criador do tempo, quis dispor do tempo para manifestar ao mundo, mediante a Palavra, a força do pensamento criador (cf. Gn 1, 1s).

No mundo dominado pela pressa, muitas pessoas dizem que não têm tempo.  Essencialmente esse pensamento não corresponde à realidade, pois todos temos tempo por igual e suficiente para realizar todas as nossas necessidades. Conforme diz em Eclesiastes, há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu. (cf. Ecl 3,1-8). Podemos dizer que o tempo é o ente mais bem distribuído que existe no mundo. Ele se encontra à disposição de todos do mesmo modo e por toda parte.

Usamos basicamente duas palavras para expressar tempo: cronos e kairós. Os gregos entendiam o tempo cronos como o ente terrível capaz de devorar tudo o quanto fosse perecível. A partir desse pensamento o tempo foi elevado à categoria de divindade que envelhece e aniquila todas as coisas contingentes. A filosofia do devir de Heráclito, “tudo passa, nada permanece”, justifica o poder assustador do tempo.

Ao lado do tempo cronos que causa medo, forçando-nos a funcionar em vez de viver, temos o tempo kairós.  Para os gregos, kairós era a divindade da vivacidade, da alegria, do frescor, da possibilidade para se viver qualitativamente.

Há no hino de vésperas do Ofício da Imaculada Conceição da Virgem Maria a seguinte oração: “Para que o homem suba às sumas alturas, desce Deus do céu para as criaturas”.  A descida de Deus às criaturas preencheu o tempo cronos, dando-lhe sentido positivo.

“Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho (cf. Gl 4,4).  Jesus Cristo, tornando-se homem no tempo, deu à história uma nova dimensão: eternidade.  A partir da descida de Deus, principalmente com a encarnação do Verbo, o tempo se revestiu de transcendência, tornando-se tempo favorável de que nos fala São Paulo (2 Cor 6,2).

Por falar em favorável, conta-se que em uma Ilha moravam todos os sentimentos: a alegria, a tristeza, o amor … No entanto, um dia, souberam os moradores que a ilha ia ser tomada pelas águas. Logo, todos os sentimentos se apressaram em fugir em seus barcos.  Somente o amor resolveu ficar mais um pouco para melhor contemplá-la.  Quase inundada a ilha, o amor desesperado começou a chorar.  Quando tudo parecia sem futuro, uma voz chamou: “Venha, amor, eu levo você no meu barco”. Era um velhinho, mas o amor ficou tão feliz que esqueceu de perguntar-lhe o nome. Chegando ao outro lado da margem, o amor encontrou a sabedoria e perguntou: “Sabedoria, quem era aquele velhinho que me trouxe em seu barco?”.  Respondeu a sabedoria: “Era o tempo!”. “O tempo? Mas por que só o tempo me trouxe?”. Então a sabedoria disse: “Porque só o tempo é capaz de ajudar e entender um grande amor”. O tempo kairós, momento cheio de Deus, é capaz de salvar o amor, inclusive aquele amor teimoso que se considera dono da verdade e não aceita o conselho dos outros sentimentos.