Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Salvador, Te Deum – 2 de julho
Igreja de S. Pedro dos Clérigos
- O relato da perda e do encontro de Jesus, quando ele tinha 12 anos, terminou com as palavras: “Sua mãe, porém, conservava no coração todas estas coisas.” Ela conservava no coração a experiência que estava vivendo porque não conseguia compreendê-la de forma total. Conservava no coração porque não queria perder aquilo que acabara de ver e ouvir; não queria que aquele momento e situação caíssem no esquecimento. Sem dúvida, queria até que aquilo que estava vivendo com Jesus, o Filho de Deus, iluminasse o seu caminho.
- Cada um de nós já passou, também, por experiências inesquecíveis. Como o tempo, percebemos que aquilo que foi vivido talvez até de forma muito simples tinha um significado e uma importância especiais.
- Também comunitariamente passamos por momentos assim, que só fomos compreendendo aos poucos. A História é rica de situações cuja importância só acabou sendo compreendida muito tempo depois.
- Podemos dizer que isso aconteceu também com o 2 de julho de 1823. É verdade que aquele dia, mais do que uma data, é a síntese de uma difícil, dura e dolorosa experiência vivida na Bahia ao longo de um ano e meio. Hoje, para nós, o 2 de julho é o símbolo de uma luta pela independência do Brasil, que teve um momento significativo no dia 7 de setembro de 1822, por tudo o que esta data se reveste de importância na história da Independência do Brasil. Sabemos, contudo, que o 7 de setembro de 1822 sem o 2 de julho de 1823 não teria como resultado o Brasil que é e que somos hoje.
- É por isso que estamos aqui para cantar o Te Deum. Trata-se de um hino da Liturgia das Horas – isto é, da oração oficial da Igreja que bispos, sacerdotes e diáconos devemos rezar. Esse hino é rezado nos domingos e dias solenes. Segundo uma das explicações da origem deste hino, ele teria sido composto por Santo Ambrósio e Santo Agostinho, no ano de 387, em Milão, por ocasião do batismo de Santo Agostinho. A Ti, Deus, louvamos, a Ti, Deus, cantamos. A ti, Eterno Pai, adora toda a terra, proclamamos solenemente na primeira estrofe.
- Cantar o Te Deum é, em primeiro lugar, louvar o Pai que nos permitiu viver numa pátria livre. É agradecer-lhe por todos aqueles que deram sua vida para a independência de nosso país se consolidasse. É louvá-lo por aqueles que, com sua dedicação, suor, trabalho e generosidade muito fizeram para que tivéssemos o que hoje temos.
- Sabemos que nem todo o Brasil exalta o dia 2 de julho. Muitos simplesmente ignoram a importância desse dia. Outros, ao ouvir falar das festas que neste dia ocorrem na Bahia, e, particularmente, em Salvador e no Recôncavo, pensam logo nos aspectos folclóricos, secundários e, mesmo, de pouco importância. Mais e mais precisamos apresentar ao país, correta e claramente, o significado deste dia. É o mínimo que podemos fazer não só em respeito à verdade histórica mas, especialmente, em respeito àqueles que deram a vida para que a independência do Brasil fosse consolidada.
- Mas tudo isso ainda não basta. Aqueles que trabalharam e lutaram por um Brasil livre tinham sonhos, grandes sonhos. Sonharam com uma terra onde todos tivessem o mínimo necessário para um vida digna; sonharam com um país onde todos se considerassem irmãos; sonharam com um Brasil que fosse para todas as pessoas, independente de sua raça, religião ou idade.
- Por que lembro isso? Porque não podemos celebrar dignamente um acontecimento do passado se não fizermos o que estiver ao nosso alcance para construir um país justo e solidário no presente; um país em que todos tenham atendidas suas necessidades básicas: penso no alimento, na saúde, na educação e na segurança. Nosso país precisa de um mutirão de solidariedade, para o qual todos devem se sentir convidados a participar – políticos, industriais, comerciantes, agricultores,estudantes, donas de casa, trabalhadores e trabalhadoras.
- Há muito que fazer para que concretizemos os ideais e sonhos daqueles que são lembrados nas comemorações de 2 de Julho, e que mereceram um belo hino: Nunca mais o despotismo / Regerá nossas ações / Com tiranos não combinam / Brasileiros corações. Lembrando as palavras que o Presidente Kennedy usou quando tomou posse como Presidente dos Estados Unidos, penso que não devemos perguntar o que o país pode fazer por nós, mas o que nós podemos fazer pelo nosso país. Podemos fazer muito. Assim como um oceano é feito de pequenas gotas de água, assim a justiça e a paz nascem e crescem com a colaboração e o esforço de cada pessoa, de cada cidadão.
- “A mãe de Jesus conservava todas essas coisas em seu coração.” Quanta oração de louvor deve ter nascido no coração de Maria, a partir de seu encontro com Jesus. Que ela nos ensine, pois, a cantar, por tudo o que recebemos e por tudo o que estamos dispostos a fazer: Te Deum laudamus – a Ti, Deus, louvamos, a Ti, Deus cantamos!