Homilia da celebração do Te Deum pelo Dois de Julho – 2016

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia

Salvador, Te Deum – 2 de julho

Igreja de S. Pedro dos Clérigos

 

  1. O relato da perda e do encontro de Jesus, quando ele tinha 12 anos, terminou com as palavras: “Sua mãe, porém, conservava no coração todas estas coisas.” Ela conservava no coração a experiência que estava vivendo porque não conseguia compreendê-la de forma total. Conservava no coração porque não queria perder aquilo que acabara de ver e ouvir; não queria que aquele momento e situação caíssem no esquecimento. Sem dúvida, queria até que aquilo que estava vivendo com Jesus, o Filho de Deus, iluminasse o seu caminho.
  2. Cada um de nós já passou, também, por experiências inesquecíveis. Como o tempo, percebemos que aquilo que foi vivido talvez até de forma muito simples tinha um significado e uma importância especiais.
  3. Também comunitariamente passamos por momentos assim, que só fomos compreendendo aos poucos. A História é rica de situações cuja importância só acabou sendo compreendida muito tempo depois.
  4. Podemos dizer que isso aconteceu também com o 2 de julho de 1823. É verdade que aquele dia, mais do que uma data, é a síntese de uma difícil, dura e dolorosa experiência vivida na Bahia ao longo de um ano e meio. Hoje, para nós, o 2 de julho é o símbolo de uma luta pela independência do Brasil, que teve um momento significativo no dia 7 de setembro de 1822, por tudo o que esta data se reveste de importância na história da Independência do Brasil. Sabemos, contudo, que o 7 de setembro de 1822 sem o 2 de julho de 1823 não teria como resultado o Brasil que é e que somos hoje.
  5. É por isso que estamos aqui para cantar o Te Deum. Trata-se de um hino da Liturgia das Horas – isto é, da oração oficial da Igreja que bispos, sacerdotes e diáconos devemos rezar. Esse hino é rezado nos domingos e dias solenes. Segundo uma das explicações da origem deste hino, ele teria sido composto por Santo Ambrósio e Santo Agostinho, no ano de 387, em Milão, por ocasião do batismo de Santo Agostinho. A Ti, Deus, louvamos, a Ti, Deus, cantamos. A ti, Eterno Pai, adora toda a terra, proclamamos solenemente na primeira estrofe.
  6. Cantar o Te Deum é, em primeiro lugar, louvar o Pai que nos permitiu viver numa pátria livre. É agradecer-lhe por todos aqueles que deram sua vida para a independência de nosso país se consolidasse. É louvá-lo por aqueles que, com sua dedicação, suor, trabalho e generosidade muito fizeram para que tivéssemos o que hoje temos.
  7. Sabemos que nem todo o Brasil exalta o dia 2 de julho. Muitos simplesmente ignoram a importância desse dia. Outros, ao ouvir falar das festas que neste dia ocorrem na Bahia, e, particularmente, em Salvador e no Recôncavo, pensam logo nos aspectos folclóricos, secundários e, mesmo, de pouco importância. Mais e mais precisamos apresentar ao país, correta e claramente, o significado deste dia. É o mínimo que podemos fazer não só em respeito à verdade histórica mas, especialmente, em respeito àqueles que deram a vida para que a independência do Brasil fosse consolidada.
  8. Mas tudo isso ainda não basta. Aqueles que trabalharam e lutaram por um Brasil livre tinham sonhos, grandes sonhos. Sonharam com uma terra onde todos tivessem o mínimo necessário para um vida digna; sonharam com um país onde todos se considerassem irmãos; sonharam com um Brasil que fosse para todas as pessoas, independente de sua raça, religião ou idade.
  9. Por que lembro isso? Porque não podemos celebrar dignamente um acontecimento do passado se não fizermos o que estiver ao nosso alcance para construir um país justo e solidário no presente; um país em que todos tenham atendidas suas necessidades básicas: penso no alimento, na saúde, na educação e na segurança. Nosso país precisa de um mutirão de solidariedade, para o qual todos devem se sentir convidados a participar – políticos, industriais, comerciantes, agricultores,estudantes, donas de casa, trabalhadores e trabalhadoras.
  10. Há muito que fazer para que concretizemos os ideais e sonhos daqueles que são lembrados nas comemorações de 2 de Julho, e que mereceram um belo hino: Nunca mais o despotismo / Regerá nossas ações / Com tiranos não combinam / Brasileiros corações. Lembrando as palavras que o Presidente Kennedy usou quando tomou posse como Presidente dos Estados Unidos, penso que não devemos perguntar o que o país pode fazer por nós, mas o que nós podemos fazer pelo nosso país. Podemos fazer muito. Assim como um oceano é feito de pequenas gotas de água, assim a justiça e a paz nascem e crescem com a colaboração e o esforço de cada pessoa, de cada cidadão.
  11. “A mãe de Jesus conservava todas essas coisas em seu coração.” Quanta oração de louvor deve ter nascido no coração de Maria, a partir de seu encontro com Jesus. Que ela nos ensine, pois, a cantar, por tudo o que recebemos e por tudo o que estamos dispostos a fazer: Te Deum laudamus – a Ti, Deus, louvamos, a Ti, Deus cantamos!